sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Treinando na Tailândia

Fiquei um ano sem ver minha irmã gêmea, que saiu do Brasil em busca de uma maior qualidade de vida e oportunidades. Guardei dinheiro e planejei vim visitá-la. Gostaria de ter encaixado a viagem antes da prova de Kona. Pois poderia ter treinando em um local tão quente e úmido quanto Kona. Só que não consegui, pois precisava trabalhar mais uns meses, pra ter mais dinheiro pra viagem.
Pouco antes de Kona larguei  o meu emprego fixo pra ir competir em Kona, ficando apenas com meus alunos online de treinamento de triathlon e corrida. Pouco depois de Kona, larguei tudo: família, namorado, casa, bikes, roupas, praticamente tudo pra ir a Tailândia com um resto de mudança, de coisas e roupas da Ci.
Planejei ficar dois meses na casa dela, gastando o dinheiro basicamente em comida e viagens pelo país. Planejei ficar treinando e aproveitando uma longa férias; como um break da vida, que a maioria das pessoas com que conversei, resumiu a minha atitude como crise dos 30 ou a vontade de ser feliz. 
Apesar de ter 28 anos, aceito os motivos como verdades.
Posso afirmar que meu gasto de 2 meses na Tailândia foi o correspondente ao gasto de uma prova de Ironman no Brasil. A inscrição do Ironman Brasil equivale ao que paguei nas passagens aéreas; o que gastaria com a passagem aérea, hospedagem e alimentação para a prova foi o que gastei em 2 meses de comida e outros gastos de viagens. Isso me fez repensar ainda mais minhas mínimas participações em provas de triathlon no Brasil. Até onde vai os meus sonhos? Realmente vale a pena gastar esse dinheiro que a eu demoro meses pra ganhar, trabalhando, em uma prova de um dia?
Vivo numa realidade em que coloco limite financeiro pra tudo. Sou extremamente realista.  Não pago mais do que um X valor numa calça jeans, e não posso ignorar os valores das inscrições das provas de triathlon. Acho incompatível com a minha realidade.
Sei que também não é vida real largar tudo pra viajar 2 meses, e certamente não poderia ficar repetindo isso todo ano. Mas porque não, ficar um mês de férias, em um país diferente, treinando como fiz dessa vez?

 Um pouco do choque cultural

Nos primeiros dias, entrei em choque cultural. Principalmente por ter voltado de Kona naquele momento. Essa parte da Ásia é o oposto de um lugar como o Hawaii. Existe um caos e uma pobreza muito diferente da que conheço no Brasil; mas são chocantes.
Demorei umas duas semanas pra pedalar e correr confortavelmente no trânsito daqui. Primeiro, por causa do caos, segundo por causa da mão inglesa. Aqui os acostamentos são exclusivos para motocicletas (existem MUITAS!) e bikes. Porém, fora aquele entra e sai de acostamento; o povo anda na contra mão no acostamento, por preguiça de atravessar para o outro lado da avenida ou da estrada.
Posso reclamar o que for do comportamento deles no trânsito. Porém, devo destacar que aqui, a cada 1km tem uma placa de bike e motocicleta, sinalizando o local que devemos ficar. Essa sinalizacao não existe em lugar nenhum do Brasil. Aqui, ela existe em QUALQUER e TODA estrada. O asfalto do país todo está em condição boa ou impecável; são poucos os lugares com asfalto ruim e buracos. Eles fazem o recapeamento o tempo todo nas estradas.

Tive muitas experiencias que me fizeram refletir sobre o ser humano. Nunca tinha sofrido preconceito ou racismo. E aqui, sendo gringa, loira de olhos azuis, sofri repetidamente. O povo tailandês, de maioria pobre –não existe classe média- principalmente no sul do país, onde é mais turístico, te enxerga como cédula de dinheiro. Lógico que eles estão desesperados pra sobreviver; só que a maneira como muitos me trataram foi além do que eu jamais trataria qualquer ser vivo. Todas essas experiências foram me mostrando que o povo é hipócrita. Com seus sorrissos e com sua religião –faixada. A grande maioria não segue nada de nenhuma das religiões daqui (budismo e islamismo); ou apenas o que convêm.  
Além disso, parece que no fundo, eles desejam ser brancos. As mulheres tailandesas veneram as japonesas, como bonecas de pele branca. No supermercado é possível comprar cremes clareadores de pele; e as tailandesas de classe alta geralmente usam pós brancos no rosto e não ficam debaixo do sol para ficarem brancas.
 Também foi muito comum, turistas chineses, asiáticos de fora da Tailândia, pedirem pra tirar foto de mim, porque não sou  asiática, e sou loira de olho azul. Muitos deles, nunca viram pessoalmente uma pessoa assim, apenas na tv.

 A Tailândia é uma monarquia, com uma família real e um Rei. O povo idolatra e ama o Rei, pois foi ele quem tornou o país melhor. Aqui toda as informações são controladas pelo Rei. A tv, a internet, tudo. A elite do pais geralmente estuda em escolas internacionais e vai pra universidades fora do país (geralmente Europa); então é diferenciada do restante da população. A maioria, pobre, são pessoas que não aprenderam a raciocinar e a pensar. Geralmente agem como robôs, fazem o que mandam; aprendem a fazer determinada tarefa para trabalhar e não conseguem solucionar problemas que podem surgir; aprenderam apenas a repetir funções.

O país é de maioria budista, e os templos (um mais lindo do que o outro) existem em toda parte; muitos deles no meio do nada. Em Phuket,  a maioria da população é islãmica. O que torna a cidade uma grande mistura de mulheres cobertas com véu debaixo de um calor do inferno, templos islâmicos, templos budistas, e monges budistas andando por todo lado.

O calor intenso e a umidade me fizeram sofrer por bastante tempo. Depois que eu acostumei, ainda assim, é um clima que se perde líquido e muita massa muscular (muito desgaste pro corpo), pois o stress do corpo em um treino aumenta muito nesse clima. Geralmente a temperatura gira em torno de 38 graus. A maioria dos brasileiros que já vieram pra cá por um tempo, disseram que demorou  3 meses pra se acostumar com o clima.

Muitos treinadores defendem que o treinamento em locais com esse clima é muito mais benéfico para a performance do que o treinamento em altitude. E realmente acho que se você tiver uma performance boa aqui, você terá uma excelente performance em qualquer lugar que vá; a não ser que seja em um local muito seco. Acho também que os atletas que focam em Kona, deveriam treinar na Ásia–Daniela Ryf e Cristie Wellington treinaram aqui- ao invés de ir pra lugares como Boulder, que apesar de toda infra estrutura, altitude e calor no verao;  é um lugar muito seco; clima oposto ao de Kona.


A Tailândia é um país muito lindo. Suas praias são paradisíacas, sua terra é de muita vegetação. O país vive principalmente da agricultura e do turismo. Por todo lado que for, é natural ver milhares de serringueiras com seus potes de latex escorrendo, e plantações de abacaxi. Existe muita floresta e muito verde pelo país. As cidades litorâneas e as ilhas paradisíacas são os principais destinos dos turistas.


O triathlon

Conheci muitos triatletas de elite que vivem na Tailândia e muitos que vieram competir na Ásia, e vejo uma enorme diferença entre eles, sendo a maioria europeus e australianos, dos brasileiros. Aqui na Ásia, os triatletas profissionais não pagam para competir. Provas como Ironman e Challenge, geralmente pagam todos os gastos para os atletas competirem as provas; fato que raramente acontece na Europa e US – pela quantidade de atletas de alto nível- e Brasil – pela visão oportunista dos organizadores de eventos.
Acompanhei a rotina de diversos atletas de elite e conheci diversos atletas com características que jamais poderia imaginar que existisse.  Muito interessante descobrir atletas com perfis diferentes. Foi um grande aprendizado perceber quais as realidades desses atletas.

Em Phuket, existe um centro de treinamento chamado Thanyapura. É um centro muito top, mas caro de se treinar. Eu não fiz questão alguma de treinar lá, pois fui na viagem com o dinheiro contado e não estava treinando pra nenhuma prova específica; na verdade, minha temporada já havia terminado depois de Kona.  Uma das figuras públicas, que faz parte da divulgação e do time do Thanyapura é o Macca - que mora em Phuket. Logo depois de Kona, quem apareceu e ficou treinando no Thanyapura com o o seu treinador Brett, foi a Daniela Ryf. Ela ficou praticamente o mesmo período que eu, para treinar para sua última prova da temporada e conquistar o maior título de triathlon da história. Logo, a cidade respira um ar de triathlon, sim!

Meu treinamento

Desde o dia que cheguei aqui, não me e lembro de um dia que fiquei sem treinar.
Logo no primeiro dia, aluguei uma bike road e assim que passaram os 40 dias com ela, consegui emprestar um outra road de uma amiga daqui. Mantive até mesmo, o treinamento de musculação, na sala de ginástica do prédio, e até corri um dia na esteira -odeio.

Nadar aqui é perfeito. A piscina pública é excelente, mas é preciso pagar uma taxa de 10 reais cada. Logo, fiz apenas uns 4 treinos nessa piscina. A maioria dos treinos que fiz foram no mar. O mar daqui é perfeito. A temperatura logo cedo é perfeita; nunca gelada e nunca quente fervendo; sempre ideal. Na temporada, muitas das praias colocam raias para banhistas e nadadores e fica perfeito pra se fazer um treino tranquilo. A pior circunstância de nadar no mar daqui é suportar uns bichos que te deixam coçando e que pode ficar insuportável - são como pedaços pequenos de água-viva que ficam na corrente do mar. Foram poucos os dias e lugares que isso aconteceu; geralmente as correntes mudam a todo instante e leva embora. Fiz alguns treinos na piscina do prédio da Ci, e geralmente eram de tiros. Dei para aproveitar, praticamente todos os dias, o mar maravilhoso daqui. Ficamos sem nadar apenas nos dias que pedalávamos o dia inteiro, viajando.

Correr aqui é excelente! Não me lembro de correr em lugares lindos desde que morava em Floripa. Aqui montamos nossos locais de corrida. Temos nossa rua onde é nossa pista de tiros; temos nossa rua onde fazemos tiros mais longos; nosso trajeto de fartlek, nossa subida de tiros, o parque, e tantos trajetos que eu amo! Desviar dos carros é normal durante as corridas, pois a maioria dos trajetos é feito no acostamento ou no canto da rua, pois não existe calçada.

Pedalar aqui é punk! Muitas curvas, trajetos picados, um caos de carros, motos e pessoas. Os percursos são lindos e fica fácil de variar os terrenos. Aqui do lado tem várias serras pesadas -dá medo - com subidas bem inclinadas. Existe uma beira-mar em que fazemos os tiros mais curtos, e as estradinhas infinitas no meio das serringueiras -onde o pessoal faz treino TT- e a estrada principal. Existem outras serras e outros caminhos que te fazem passar a ponte pra fora da ilha. Mas vale a pena, porque é pra lá, os meus trajetos favoritos (fora da ilha). Muito comum dar de frente com touros e vacas que atravessam as ruas para pastar. Quase sempre os touros estão em grupos grandes; é uma tensão de vida e de morte.


Comecei a conhecer o país de verdade com as nossas viagens de bike. Fizemos roteiros e fizemos umas 4 viagens de alguns dias separadas por semanas, indo pedalando até as cidades, permanecendo uns 2 dias e voltando pedalando pra Phuket.  São as imagens dessas viagens que ficarão na minha  memória por muito tempo. São esses locais, essas circunstâncias que me mostraram o país que fiquei por dois meses.

Quando passei a enxergar os lugares com olhos diferentes; além do óbvio, aprendi a apreciá-los de verdade.
Essa viagem realmente aconteceu no momento certo, no momento necessário e abriu meus olhos e minha cabeça.
 Enxerguei coisas que jamais imaginei que poderiam ser verdades e aprendi muito com as circunstâncias e com os momentos.

“ A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos não é o que vemos, senão o que somos”.  Fernando Pessoa

Estar com minha irmã depois de tanto tempo foi especial. Mas nessa viagem, tentei arduamente enxergar além de mim mesma; compreender um povo e uma cultura totalmente incompatíveis comigo. 
Talvez tenha sido a única solução pra se ficar tanto tempo na Ásia. Mas eu volto para o Brasil com a sensação de que fui bem sucedida e feliz por ter vindo.









































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