quarta-feira, 22 de abril de 2015

UB515: a prova da minha vida

A preparação para uma prova de ultraman é dura, principalmente para uma mulher. As distâncias são grandes, não existe parceria, pois ninguém quer arriscar o seu treinamento para te acompanhar nos treinos que não são do objetivo da pessoa; e pior, são treinos de dia inteiro na rua. Pode ser perigoso e arriscado.
Durante os meses de preparação encontramos muitos obstáculos comuns de quem tem um cotidiano normal: trabalho, estuda, cuida da casa, tem família e namorado. Os treinos podem e irão influenciar o teu relacionamento com as pessoas, no meu caso, até mesmo com o meu chefe. Assim, uma decisão de fazer parte deste grupo e seguir em frente, não é pra qualquer pessoa. 
Fiz o que pude, me dediquei 100% como faço com tudo que me comprometo fazer. Fui de coração e alma, porque sabia que era o momento da minha vida que precisava disso. Precisava de respostas para as minhas perguntas; e mais do que isso, precisava resgatar o verdadeiro esporte dentro de mim e a verdadeira pessoa de quem eu sou.

Não consigo começar contar da prova sem descrever o pesadelo dos dias anteriores. Segunda estava trabalhando e passando mal. Literalmente comecei a vomitar na frente dos alunos. Fui embora para o hospital. Tomei soro e medicação. Quarta ainda estava mal:  os vômitos voltaram, e retornei para o hospital, desta vez sem conseguir atendimento. Foi descoberto um infecção bacteriana e me medicado diversos antibióticos. 
Sou uma pessoa que não toma remédio pra nada, pra nenhuma dor, em momento algum, nem em prova, nem fora de prova... Se tenho algum problema crônico, vou no meu médico homeopata. Odeio todos os remédios e seus efeitos colaterais; não tomo por nada. E dessa vez tive que tomar. Estava arrasada. 
Não sabia o que seria da minha prova que tanto me dediquei, tanto sofri, tanto me sacrifiquei. Os hotéis estavam pagos, as comidas e todos equipamentos prontos; o custo financeiro também foi alto, e sem NENHUM PATROCÍNIO. Eu e minha equipe juntamos tudo, na quarta, e partimos rumo a Paraty. A viagem foi longa e sofrida pra mim, mas chegamos bem. Primeiro dia da semana que consegui comer; canja no almoço e a noite, e na viagem bolacha de água e sal com água.
Quinta de manhã minha mãe me mandava mensagens falando para eu desistir da prova, porque as pessoas morrem de infecção bacteriana etc e tal. Tomei a decisão de que iria largar, mas que iria suspender JÁ os antibióticos e ficar o dia todo no remédio homeopático. Logo, levamos as bikes para a vistoria e fomos no almoço de retirada de kit. Me sentia muito mal, como se estivesse na pior ressaca do mundo, não conseguia ficar nem um minuto no sol e nem em pé. Me hidratei muito e consegui comer um pouco de arroz, macarrão seco, e um filé de frango. Pouco antes do escurecer, fomos nadar numa praia próxima da pousada.
 Cai na água, dei 10 braçadas, flutuei, e gritei de alegria para os meninos! Como amo o mar, ele me faz tão bem!! Fiquei feliz em saber que nadaria bastante no dia seguinte.  Fui dormir super cedo e consegui descansar 11 horas antes da prova. Estava bem hidratada e com meu peso corporal normal.

Sexta: PRIMEIRO DIA
Acordei com uma música maravilhosa em minha cabeça; era um rito penitencial da missa que frequento. Fiquei calma e feliz. Sabia que minhas preces já tinham sido atendidas; que Deus estava comigo e não tinha me abandonado. Fui pra largada.
Fizemos um círculo e juntos rezamos e um padre nos abençoou. Chorei de emoção, pois precisava deste momento antes da prova, e pra mim foi obra de Deus.
Largamos na natação e nadei tranquila. Não queria gastar energia que eu não sabia se tinha. As primeiras voltas foram difíceis pra mim, pois meu óculos de natação é escuro, e como estava amanhecendo, não enxergava direito. As bóias estavam todas tortas, a maré foi mudando e eu fui me acostumando com o que tinha na frente. O Donga caiacou do meu lado, me deu bananinha e hidratação. Como estava sem nadar desde sexta passada, não tinha muita noção de percepção de esforço. Me concentrei apenas em gastar o mínimo de energia possível, e estava realmente cautelosa, pois não sabia como meu corpo reagiria. Imaginei que poderia sair da água em um tempo alto de 3hr30’, mas nem me importei. Sai da água com 3hr05’ e fiquei surpresa com isso. 
                Fizemos a transição, tirei o maiô, coloquei roupa de ciclismo, comi um lanche e parti rapidamente para o pedal. Acredito que fui a único do grupo todo que saiu de Road. Segui de road me poupando até a divisa com SP. Lá peguei a TT e segui até o final. Esse é o dia mais fácil da prova. A estrada é bem ondulada, mas estava pronta para isso. Terminei o primeiro dia em primeiro lugar feminino. Mal pude acreditar. Agradeci a Deus por este dia, e na minha cabeça o que fosse acontecer nos outros dias já não me importava. Só de ter acabado este primeiro dia melhor do que eu poderia imaginar, já estava satisfeita e feliz. Melhor ainda, foi ter conseguido fazer bem o primeiro dia sem nenhum gel ou nada que pudesse destruir meu estômago.
                Fiz massagem e fomos pra a pousada comer e descansar. E devo citar aqui, que não ficamos no centro de Paraty, mas sim em um vilarejo de pescador a 9km de lá, na estrada Rio-Santos, sentido RJ, numa praia que se chama praia Grande. Lá nesta comunidade fomos recebidos como celebridades. Todos nos deram muita atenção, carinho e torcida. Nem sei explicar como foi positivo esta hospitalidade; foi incrível. O único restaurante do local fazia minha comida do jeito que eu precisava, sem tempero, sem nada: macarrão seco, com sal e filezinho de frango na chapa. O pessoal da pousada assumiu os cuidados da minha batata para o dia seguinte de prova. Foi fácil: comi e descansei para o dia seguinte. O planejado para o segundo dia era sair tranquilo e ir devagar e sempre. Sabia que assim, pegaria muita gente da metade para o final e pedi paciência para a minha equipe de apoio.

                Sábado: SEGUNDO DIA
                Fui pra largada me sentindo mal do estômago e pensei que poderia ter que encarar um dia pior pela frente. Longo o dia seria de qualquer maneira. Estava com muito dor de garganta e a Lívia me deu um spray incrível que aliviou no mesmo instante.
                A largada foi única e fiquei meio tensa. Odeio andar em pelotão, odeio muita gente junta. Fiquei preocupada com este início, pois estava difícil da galera ter bom senso e dispersar. O pelotão da frente não se desgrudava nem depois dos 10km de tolerância, os carros de apoio ficavam meio perdidos, pois ainda não dava para acompanhar atrás dos atletas. E foi um início de paciência até que aos poucos o cenário foi melhorando. Fiquei tranquila, mais pra trás. O dia tinha quase 300km pela frente. Se aquecesse em 100km, como fiz em diversos treinos, o restante poderia seguir em um ritmo mais forte. Não tinha pressa alguma. Mas parece que muitos tiveram. Comi muita batata com sal, e do km 60km em diante, já fui passando... devagar e sempre, fui passando. Chegando no km 150, Serra do Piloto. Coloquei o pé no chão, troquei de bike, agora era momento da road entrar em ação. Demorou um pouco para o corpo se readaptar a nova geometria, mas fui girando e subindo, subindo e girando... curtindo o visual, curtindo a galera! O sol ai estava forte! Fiz o retorno da serra e estava bem! Comendo e me hidratando muito, o tempo todo. Deu certo, fizemos o retorno em quinto geral. Melhor ainda, os meninos de apoio estavam se divertindo muito!!
                A volta da serra pra mim foi tensa, tenho medo de descer e as descidas lá eram perigosas. Priorizei minha segurança. Os meninos que estavam perto foram embora em disparada, o Pitton e o Sergio de tênis com uma bike TT emprestada. Acabada a serra, coloquei o pé no chão e troquei a bike novamente. Agora era só alegria. Passamos por um trecho bem ondulado e pra fechar uma linha reta de 20 e tantos kms, tapetão. Soquei a bota pra fechar, que delícia de estrada! Terminei o segundo dia muito melhor do que eu poderia imaginar. E melhor de tudo, estava bem. Cansada, mas muito bem, e mais um dia sem gel ou nada que pudesse estragar meu estômago.
                Chegamos a cidade de Itaguaí, e fomos atrás da pousada. De novo, ficamos a uns 9km do centro –que é MUITO feio- de beira com o mar, num vilarejo de pescador, próximo aos trilhos de trem. Essa noite foi curta. Fui dormir mais tarde do que o normal, pois chegamos mais tarde e a largada do terceiro dia seria mais cedo. Dormi umas 5 horas nessa noite. O que pra mim é muito pouco. Mas descansei, e mais uma noite que durmi comendo e comi dormindo. Pois como não consigo comer de uma vez, conseguia comer algumas mordidas e garfadas por vez; assim o necessário foi comer a noite toda, enquanto dormia. Já não aguentava mais comer spaguetti seco, mas tinha que me cuidar.

Domingo: TERCEIRO DIA
                Fui para a largada com a pressão baixa e não sabia o que fazer. Conversei com o Átila (enfermeiro) e tirei a conclusão que estava desidratada. Fiquei no gatorade até a largada, e parece que deu certo. Pouco antes de largar, estava bem, com disposição e animada! Foi dada a largada enquanto eu tentava agachar no chão pra fazer xixi. Rsss. Fui correr. A galera começou a correr em um ritmo bem devagar de aquecimento e fiz força pra segurar. Correr em um ritmo muito devagar dói e trava as pernas. Segurei um tempo assim, até que passamos os trechos da cidade onde não tinha mais onde errar o percurso. Sai do grupo e fui abrindo. Ao longo dos 21km minha perna foi soltando e fui abrindo, sempre em um ritmo muito abaixo do que eu estava treinada. Entramos em um dos braços da corrida e antes do seu retorno, km 30 já estava liderando a prova. Achei estranho, mas associei ao fato de a maioria dos atletas fortes terem forçado muito no dia anterior.  Fui seguindo meu ritmo.
                No km 42, seguimos para uma serra, trecho mais duro da prova. Depois temos mais um braço de corrida plano. No retorno deste braço, vi que já tinha aberto bastante do pessoal, e segui em frente sempre concentrada, sempre comendo e bebendo o tempo todo.
                Depois deste trecho, entramos numa pequena serra que enfim, chega a orla. Quando cheguei a orla, faltavam 18km, e foi deste trecho em diante que comecei a perder a cabeça algumas vezes. Estava cansada de correr. Achei que pudesse acelerar no final, mas não conseguia. A ciclovia era cheia de gente, mas o clima estava ajudando muito! Nesse ponto, eu já não falava mais. Pior trecho de todos foi ter que parar no semáforo pra esperar, atravessar a rua e correr na ciclovia da reserva da barra. Traumatizante este lugar. Quando, finalmente voltava para a orla, percebi que corria e corria e não saia do lugar. Estávamos no posto 9, e a prova acabava no 2. Percebi que a ciclovia fazia zigue-zague, e resolvi correr no meio dela tangenciando, com meu o Donga de bike atrás de mim. O final não termina nunca, e algumas vezes falei que não aguentava mais.
                Enfim, encontramos o Bruno, e havíamos combinado de ele correr os últimos 2, 3km comigo. Entrei em pânico e perguntei quanto faltavam. Eram apenas 500m; acelerei.

                Em nenhum momento da minha vida, imaginei que estivesse fazendo história.
                Primeira mulher a ganhar uma dupla maratona em um Ultra triathlon, segunda melhor marca feminina do mundo, e 7’ do Record da dupla maratona dessa prova.
                Se soubesse disso, talvez tivesse acelerado mais, RSssss. Ou certamente, tudo daria errado... Rsss
                Fizemos história!
                Não consigo descrever o que é vivenciar a UB515; como eu disse, não mudou em nada a pessoa que eu sou, mas certamente mudou a minha vida.
                Meu objetivo nunca foi ganhar, e sim completar a prova. Tudo que veio de acréscima foi presente de Deus.
                Incrível poder compartilhar esta experiência com grandes atletas e pessoas sensacionais!!

                AGRADEÇO DE CORAÇÃO A TODOS OS AMIGOS QUE PARTICIPARAM DAS RIFAS, QUE PARTICIPARAM DA CAMPANHA, QUE TORCERAM, QUE VIBRARAM, QUE SE EMOCIONARAM!!

                AGRADEÇO AOS MEUS APOIADORES: TREINADORES RICARDO DANTAS E SAMIR BAREL, ACADEMIA ELO, SPORTLER SUPLEMENTOS, BIKE FAN CAMPINAS, AÇAÍ MILL E ROSS, 4 FRAME, POUSADA BEIRA DE MATO,  MINHA NUTRICIONISTA YANA GLASER!!

                AGRADEÇO MINHA FAMÍLIA E MEU NAMORADO; CI, MINHA IRMÃ GÊMEA QUE ESTÁ MORANDO FORA DO BRASIL; AMIGOS, ALUNOS, SEGUIDORES, TORCEDORES!

                AGRADEÇO MINHA EQUIPE NÚMERO 1: BRUNO ZOAUIN E DONGA! SEM VOCÊS NÃO TERIA FEITO NADA E IDO A LUGAR ALGUM!

                AGRADEÇO A DEUS POR TER ME GUIADO, PROTEGIDO E ABENÇOADO!  SEM ELE NADA FAÇO E COM ELE TUDO SOU CAPAZ!!! ELE É FORTALEZA, PROVIDÊNCIA E AMOR!

OBRIGADA!!
               
              Próxima parada: Ironman World Championship, Kona, 2015. Se Deus quiser, estarei lá! Próximos meses buscarei ajuda para que consiga viajar, mais uma vez, para a ilha mágica, Big Island!


               


2 comentários:

  1. Parabéns Lu!!!!! Sua fé fez toda a diferença, você foi incrível!!!

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  2. belíssimo depoimento. Que venham muitos desafios e conquistas pela frente. Let's Run!

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