A preparação para uma prova de ultraman é dura, principalmente para uma
mulher. As distâncias são grandes, não existe parceria, pois ninguém quer
arriscar o seu treinamento para te acompanhar nos treinos que não são do
objetivo da pessoa; e pior, são treinos de dia inteiro na rua. Pode ser perigoso
e arriscado.
Durante os meses de preparação encontramos muitos obstáculos comuns de
quem tem um cotidiano normal: trabalho, estuda, cuida da casa, tem família e
namorado. Os treinos podem e irão influenciar o teu relacionamento com as pessoas,
no meu caso, até mesmo com o meu chefe. Assim, uma decisão de fazer parte deste
grupo e seguir em frente, não é pra qualquer pessoa.
Fiz o que pude, me dediquei 100% como faço com tudo que me comprometo
fazer. Fui de coração e alma, porque sabia que era o momento da minha vida que
precisava disso. Precisava de respostas para as minhas perguntas; e mais do que
isso, precisava resgatar o verdadeiro esporte dentro de mim e a verdadeira
pessoa de quem eu sou.
Não consigo começar contar da prova sem descrever o pesadelo dos dias
anteriores. Segunda estava trabalhando e passando mal. Literalmente comecei a
vomitar na frente dos alunos. Fui embora para o hospital. Tomei soro e medicação.
Quarta ainda estava mal: os vômitos
voltaram, e retornei para o hospital, desta vez sem conseguir atendimento. Foi
descoberto um infecção bacteriana e me medicado diversos antibióticos.
Sou uma
pessoa que não toma remédio pra nada, pra nenhuma dor, em momento algum, nem em
prova, nem fora de prova... Se tenho algum problema crônico, vou no meu médico
homeopata. Odeio todos os remédios e seus efeitos colaterais; não tomo por
nada. E dessa vez tive que tomar. Estava arrasada.
Não sabia o que seria da
minha prova que tanto me dediquei, tanto sofri, tanto me sacrifiquei. Os hotéis
estavam pagos, as comidas e todos equipamentos prontos; o custo financeiro também
foi alto, e sem NENHUM PATROCÍNIO. Eu e minha equipe juntamos tudo, na quarta, e partimos rumo a Paraty. A
viagem foi longa e sofrida pra mim, mas chegamos bem. Primeiro dia da semana
que consegui comer; canja no almoço e a noite, e na viagem bolacha de água e sal
com água.
Quinta de manhã minha mãe me mandava mensagens falando para eu desistir
da prova, porque as pessoas morrem de infecção bacteriana etc e tal. Tomei a
decisão de que iria largar, mas que iria suspender JÁ os antibióticos e ficar o
dia todo no remédio homeopático. Logo, levamos as bikes para a vistoria e fomos
no almoço de retirada de kit. Me sentia muito mal, como se estivesse na pior
ressaca do mundo, não conseguia ficar nem um minuto no sol e nem em pé. Me hidratei muito e
consegui comer um pouco de arroz, macarrão seco, e um filé de frango. Pouco
antes do escurecer, fomos nadar numa praia próxima da pousada.
Cai na água, dei
10 braçadas, flutuei, e gritei de alegria para os meninos! Como amo o mar, ele
me faz tão bem!! Fiquei feliz em saber que nadaria bastante no dia seguinte. Fui dormir super cedo e consegui descansar 11
horas antes da prova. Estava bem hidratada e com meu peso corporal normal.
Sexta: PRIMEIRO DIA
Acordei com uma música maravilhosa em minha cabeça; era um rito
penitencial da missa que frequento. Fiquei calma e feliz. Sabia que
minhas preces já tinham sido atendidas; que Deus estava comigo e não tinha me
abandonado. Fui pra largada.
Fizemos um círculo e juntos rezamos e um padre nos abençoou. Chorei de
emoção, pois precisava deste momento antes da prova, e pra mim foi obra de
Deus.
Largamos na natação e nadei tranquila. Não queria gastar energia que eu
não sabia se tinha. As primeiras voltas foram difíceis pra mim, pois meu
óculos de natação é escuro, e como estava amanhecendo, não enxergava direito. As
bóias estavam todas tortas, a maré foi mudando e eu fui me acostumando com o
que tinha na frente. O Donga caiacou do meu lado, me deu bananinha e hidratação.
Como estava sem nadar desde sexta passada, não tinha muita noção de percepção
de esforço. Me concentrei apenas em gastar o mínimo de energia possível, e
estava realmente cautelosa, pois não sabia como meu corpo reagiria. Imaginei
que poderia sair da água em um tempo alto de 3hr30’, mas nem me importei. Sai
da água com 3hr05’ e fiquei surpresa com isso.
Fizemos a transição, tirei o
maiô, coloquei roupa de ciclismo, comi um lanche e parti rapidamente para o
pedal. Acredito que fui a único do grupo todo que saiu de Road. Segui de road
me poupando até a divisa com SP. Lá peguei a TT e segui até o final. Esse é o
dia mais fácil da prova. A estrada é bem ondulada, mas estava pronta para isso.
Terminei o primeiro dia em primeiro lugar feminino. Mal pude acreditar.
Agradeci a Deus por este dia, e na minha cabeça o que fosse acontecer nos outros
dias já não me importava. Só de ter acabado este primeiro dia melhor do que eu
poderia imaginar, já estava satisfeita e feliz. Melhor ainda, foi ter conseguido
fazer bem o primeiro dia sem nenhum gel ou nada que pudesse destruir meu
estômago.
Fiz massagem e fomos pra a pousada
comer e descansar. E devo citar aqui, que não ficamos no centro de Paraty, mas
sim em um vilarejo de pescador a 9km de lá, na estrada Rio-Santos, sentido RJ,
numa praia que se chama praia Grande. Lá nesta comunidade fomos recebidos como
celebridades. Todos nos deram muita atenção, carinho e torcida. Nem sei
explicar como foi positivo esta hospitalidade; foi incrível. O único
restaurante do local fazia minha comida do jeito que eu precisava, sem tempero,
sem nada: macarrão seco, com sal e filezinho de frango na chapa. O pessoal da
pousada assumiu os cuidados da minha batata para o dia seguinte de prova. Foi fácil:
comi e descansei para o dia seguinte. O planejado para o segundo dia era sair tranquilo e ir
devagar e sempre. Sabia que assim, pegaria muita gente da metade para o final e
pedi paciência para a minha equipe de apoio.
Sábado: SEGUNDO DIA
Fui pra largada me sentindo mal
do estômago e pensei que poderia ter que encarar um dia pior pela frente. Longo o dia seria de qualquer maneira. Estava com muito dor de garganta e a Lívia me deu um
spray incrível que aliviou no mesmo instante.
A largada foi única e fiquei
meio tensa. Odeio andar em pelotão, odeio muita gente junta. Fiquei preocupada
com este início, pois estava difícil da galera ter bom senso e dispersar. O pelotão
da frente não se desgrudava nem depois dos 10km de tolerância, os carros de
apoio ficavam meio perdidos, pois ainda não dava para acompanhar atrás dos
atletas. E foi um início de paciência até que aos poucos o cenário foi
melhorando. Fiquei tranquila, mais pra trás. O dia tinha quase 300km pela
frente. Se aquecesse em 100km, como fiz em diversos treinos, o restante poderia
seguir em um ritmo mais forte. Não tinha pressa alguma. Mas parece que muitos
tiveram. Comi muita batata com sal, e do km 60km em diante, já fui passando...
devagar e sempre, fui passando. Chegando no km 150, Serra do Piloto. Coloquei o
pé no chão, troquei de bike, agora era momento da road entrar em ação. Demorou
um pouco para o corpo se readaptar a nova geometria, mas fui girando e subindo,
subindo e girando... curtindo o visual, curtindo a galera! O sol ai estava
forte! Fiz o retorno da serra e estava bem! Comendo e me hidratando muito, o
tempo todo. Deu certo, fizemos o retorno em quinto geral. Melhor ainda, os meninos de apoio estavam se divertindo muito!!
A volta da serra pra mim foi
tensa, tenho medo de descer e as descidas lá eram perigosas. Priorizei minha
segurança. Os meninos que estavam perto foram embora em disparada, o Pitton e o
Sergio de tênis com uma bike TT emprestada. Acabada a serra, coloquei o pé no
chão e troquei a bike novamente. Agora era só alegria. Passamos por um trecho
bem ondulado e pra fechar uma linha reta de 20 e tantos kms, tapetão. Soquei a
bota pra fechar, que delícia de estrada! Terminei o segundo dia muito melhor do
que eu poderia imaginar. E melhor de tudo, estava bem. Cansada, mas muito bem, e mais um dia sem gel ou nada que pudesse estragar meu estômago.
Chegamos a cidade de Itaguaí, e
fomos atrás da pousada. De novo, ficamos a uns 9km do centro –que é MUITO feio-
de beira com o mar, num vilarejo de pescador, próximo aos trilhos de trem. Essa
noite foi curta. Fui dormir mais tarde do que o normal, pois chegamos mais
tarde e a largada do terceiro dia seria mais cedo. Dormi umas 5 horas nessa
noite. O que pra mim é muito pouco. Mas descansei, e mais uma noite que durmi comendo e comi dormindo. Pois como não consigo comer de uma vez, conseguia comer
algumas mordidas e garfadas por vez; assim o necessário foi comer a noite toda,
enquanto dormia. Já não aguentava mais comer spaguetti seco, mas tinha que me
cuidar.
Domingo:
TERCEIRO DIA
Fui para a largada com a pressão
baixa e não sabia o que fazer. Conversei com o Átila (enfermeiro) e tirei a conclusão que
estava desidratada. Fiquei no gatorade até a largada, e parece que deu certo.
Pouco antes de largar, estava bem, com disposição e animada! Foi dada a largada
enquanto eu tentava agachar no chão pra fazer xixi. Rsss. Fui correr. A galera
começou a correr em um ritmo bem devagar de aquecimento e fiz força pra
segurar. Correr em um ritmo muito devagar dói e trava as pernas. Segurei um
tempo assim, até que passamos os trechos da cidade onde não tinha mais onde
errar o percurso. Sai do grupo e fui abrindo. Ao longo dos 21km minha perna foi
soltando e fui abrindo, sempre em um ritmo muito abaixo do que eu estava
treinada. Entramos em um dos braços da corrida e antes do seu retorno, km 30 já
estava liderando a prova. Achei estranho, mas associei ao fato de a maioria dos
atletas fortes terem forçado muito no dia anterior. Fui seguindo meu ritmo.
No km 42, seguimos para uma
serra, trecho mais duro da prova. Depois temos mais um braço de corrida plano.
No retorno deste braço, vi que já tinha aberto bastante do pessoal, e segui em
frente sempre concentrada, sempre comendo e bebendo o tempo todo.
Depois deste trecho, entramos
numa pequena serra que enfim, chega a orla. Quando cheguei a orla, faltavam
18km, e foi deste trecho em diante que comecei a perder a cabeça algumas vezes.
Estava cansada de correr. Achei que pudesse acelerar no final, mas não conseguia.
A ciclovia era cheia de gente, mas o clima estava ajudando muito! Nesse ponto,
eu já não falava mais. Pior trecho de todos foi ter que parar no semáforo pra
esperar, atravessar a rua e correr na ciclovia da reserva da barra.
Traumatizante este lugar. Quando, finalmente voltava para a orla, percebi que
corria e corria e não saia do lugar. Estávamos no posto 9, e a prova acabava no
2. Percebi que a ciclovia fazia zigue-zague, e resolvi correr no meio dela
tangenciando, com meu o Donga de bike atrás de mim. O final não termina nunca,
e algumas vezes falei que não aguentava mais.
Enfim, encontramos o Bruno, e
havíamos combinado de ele correr os últimos 2, 3km comigo. Entrei em pânico e
perguntei quanto faltavam. Eram apenas 500m; acelerei.
Em nenhum momento da minha vida,
imaginei que estivesse fazendo história.
Primeira mulher a ganhar uma
dupla maratona em um Ultra triathlon, segunda melhor marca feminina do mundo, e
7’ do Record da dupla maratona dessa prova.
Se soubesse disso, talvez
tivesse acelerado mais, RSssss. Ou certamente, tudo daria errado... Rsss
Fizemos história!
Não consigo descrever o que é
vivenciar a UB515; como eu disse, não mudou em nada a pessoa que eu sou, mas
certamente mudou a minha vida.
Meu objetivo nunca foi ganhar, e sim completar a prova. Tudo que veio de acréscima foi presente de Deus.
Incrível poder compartilhar esta experiência com grandes atletas e pessoas sensacionais!!
Meu objetivo nunca foi ganhar, e sim completar a prova. Tudo que veio de acréscima foi presente de Deus.
Incrível poder compartilhar esta experiência com grandes atletas e pessoas sensacionais!!
AGRADEÇO DE CORAÇÃO A TODOS OS
AMIGOS QUE PARTICIPARAM DAS RIFAS, QUE PARTICIPARAM DA CAMPANHA, QUE TORCERAM,
QUE VIBRARAM, QUE SE EMOCIONARAM!!
AGRADEÇO AOS MEUS APOIADORES:
TREINADORES RICARDO DANTAS E SAMIR BAREL, ACADEMIA ELO, SPORTLER SUPLEMENTOS,
BIKE FAN CAMPINAS, AÇAÍ MILL E ROSS, 4 FRAME, POUSADA BEIRA DE MATO, MINHA NUTRICIONISTA YANA GLASER!!
AGRADEÇO MINHA FAMÍLIA E MEU
NAMORADO; CI, MINHA IRMÃ GÊMEA QUE ESTÁ MORANDO FORA DO BRASIL; AMIGOS, ALUNOS,
SEGUIDORES, TORCEDORES!
AGRADEÇO MINHA EQUIPE NÚMERO 1:
BRUNO ZOAUIN E DONGA! SEM VOCÊS NÃO TERIA FEITO NADA E IDO A LUGAR ALGUM!
AGRADEÇO A DEUS POR TER ME
GUIADO, PROTEGIDO E ABENÇOADO! SEM ELE
NADA FAÇO E COM ELE TUDO SOU CAPAZ!!! ELE É FORTALEZA, PROVIDÊNCIA E AMOR!
OBRIGADA!!
Próxima parada: Ironman World Championship, Kona, 2015. Se Deus quiser, estarei lá! Próximos meses buscarei ajuda para que consiga viajar, mais uma vez, para a ilha mágica, Big Island!
Parabéns Lu!!!!! Sua fé fez toda a diferença, você foi incrível!!!
ResponderExcluirbelíssimo depoimento. Que venham muitos desafios e conquistas pela frente. Let's Run!
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